...por volta das 15h30 do dia 20 de janeiro
de 1996, duas irmãs e uma amiga cortavam caminho por um terreno baldio quando
se depararam com algo que seria um ser estranho: de baixa estatura, franzino,
cabeça desproporcional, grandes olhos vermelhos sem pupila e íris; no crânio,
três protuberâncias. Aparentemente assustada, a criatura teria veias estufadas
sobre os ombros. Assim, descreveram o contato com o lendário ET de Varginha,
personagem do episódio que ajudou a consolidar a figura do ET no imaginário brasileiro
e ainda desperta muitas dúvidas.
Verdade ou mentira? Existem duas versões em
jogo: a negativa oficial do Exército e a contestação por parte de ufólogos e
testemunhas que atestam terem visto, na época, objetos voadores não
Identificados (OVNIs) e seres extraterrestres na região do Sul de Minas.
O episódio
mobilizou não apenas a cidade mineira, mas todo o país. Recuperando a
cronologia dos fatos, um Ovni teria caído em uma fazenda próxima à Varginha no
dia 13 de janeiro. Os destroços teriam sido recolhidos pelo Exército e, no dia
20 de janeiro, outro artefato soltando fumaça foi avistado em direção à cidade.
Depois, bichos estranhos são vistos próximo ao bairro Jardim Andere. Na
tarde daquele dia, as irmãs Liliane e Valquíria Silva e a amiga Kátia Xavier
teriam tido um contato de terceiro grau com a criatura. Ou seja, elas o veem de
perto e, assustadas, saem correndo.
A cidade entrou em estado de euforia.
Polícia, Corpo de Bombeiro e Exército teriam capturado duas criaturas, uma
delas passa por hospitais e morre. Depois, duas cargas suspeitas são levadas
para Campinas (SP). O desfecho trágico se daria com morte por infecção
generalizada do policial Marco Eli Chereze, que supostamente capturou uma das
criaturas sem nenhum tipo de proteção. E assim...
...nasce
a famosa história do ET de Varginha.
Fama e
imaginário
Fama e imaginário
Fama e imaginário
Longe
de um veredito, o ET de Varginha virou assunto internacional e motivou o
turismo na cidade mineira.
O
paranaense Luiz Henrique Junqueira se mudou para Varginha na década de 80. Em
1996, aos 25 anos, presenciou a histeria in loco. “No dia,
foi um caos na cidade, cheio de Exército. Mas o caso foi bem abafado pelas
Forças Armadas e governo”, relembra. Para Luiz Henrique, a falta de
transparência sobre o caso deixou um ar de incertezas na população, que tende a
acreditar na história.
“Por terem abafado o caso, a maioria acredita, mas não acredita,
entende?”
Na
avaliação do morador, que possui uma agência de viagens na cidade, a prefeitura
preferiu investir no mito do ET de Varginha em vez de explorar o outro lado. “A
exploração turística é muito falha, pois se divulgassem nem que seja parte da
verdade, aí sim teríamos um fluxo de turismo bem maior”, analisa. Para o
empresário, a verdade citada se refere à passagem dos OVNIs e das criaturas
pela região.
O
aeroporto, as paradas de ônibus e até uma caixa d´água foram projetados em
formato de uma espaçonave alienígena. A prefeitura começou, inclusive, a
construir o Memorial do ET, que se encontra inacabado. Além de um maior fluxo
de visitantes, é comum encontrar pelas ruas bonecos no formato da criatura
descrita pelas três jovens.
O
gestor de contratos da Secretaria Municipal de Turismo de Varginha, Gleiber
Piva, concorda que o marketing do ET deveria ter sido melhor abordado. Contudo,
aponta que a atual gestão da prefeitura "optou por não priorizar o ET até
porque, nos últimos tempos, a arrecadação mal tem coberto as carências básicas
do povo." Contudo, Gleiber afirma que a secretaria de turismo não pode
fugir do tema e, por isso, estão finalizando a obra do memorial.
Obras do Museu do
ET começaram há 6 anos.
Foto: Divulgação - Prefeitura de Varginha
No
espaço, o gestor relata que a proposta é mesclar estudos da ufologia e da
astronomia, inclusive com a possível criação de um planetário. “Pensamos em
estabelecer uma interdisciplinaridade com a educação, fornecendo material de
estudo astronômico aos alunos da cidade e região”.
Ser imaginário
Na
época em que o ET de Varginha virou assunto nacional, o artista plástico
Walmor Corrêa realizava uma pesquisa na Amazônia sobre seres imaginários
relatados por viajantes europeus no período colonial - e que continuam a ser
vistos por ribeirinhos. “A série artística foi baseada em relatos históricos de
cartas do Padre Anchieta de 1560, que comenta a existência do Curupira e do
Ipupiara (peixe-homem), dois seres do imaginário brasileiro”, conta.
Ele
considera que a figura do ET está consolidada no imaginário popular. “Existe
uma legião de pessoas que acreditam, que falam que veem. Não estou desdenhado.
Inclusive, as pessoas me perguntam: "você acredita em sereia?" e eu
respondo que não sei mais se acredito. Antes eu não acreditava, mas já escutei
tantos relatos a essa altura, e a gente já viu tantas coisas improváveis sendo
provadas, que é possível”, diz o artista.
Walmor
utiliza técnicas de anatomia e taxidermia para dar sentido científico a esses
seres, mas preferiu não se dedicar à história do ET de Varginha. “Quando eu
escolhi os seres para desenvolver, eu procurei, ao máximo, sair do olhar
curioso, meio infantil e o ET estava envolvido em meio quase a uma gozação”,
relembra.
Assim
como usou a ciência para justificar os ligamentos do Curupira que o permitiram
andar com os pés virados para trás, o artista considera que poderia aplicar a
mesma técnica no ET de Varginha. “A minha dúvida, a minha questão como artista
é interrogar: por que a cabeça é grande? Os olhos vermelhos dariam capacidade a
ele para enxergar melhor à noite? Eu olharia por aí, mas isso não significa que
eu acredite nele”, afirma.
Óvnis na rede
A
mesma internet que espalha boatos passou a ser instrumento valioso para quem
busca informações para tira suas próprias conclusões sobre o que aconteceu em
Varginha há duas décadas. Em 2010, documentos antes sigilosos foram migrados
para a base virtual do Arquivo Nacional e, dois anos depois, a Lei de Acesso à Informação
(LAI) abriu caminho legal para questionamentos e solicitações
de informações públicas sobre o caso.
Desde
a criação da LAI em 2012 até o fim de 2015, houve 75 solicitções à FAB
relacionadas a ovnis recebidas e respondidas pelo Executivo
Federal. De acordo com a Controladoria Geral da União (CGU), a maior parte dos
casos recebeu como resposta que a documentação sobre o tema foi encaminhada ao
Arquivo Nacional sem, contudo, afirmar a existência ou não de OVNIs.
Em
2010, a Força Aérea Brasileira (FAB) disponibilizou na base do Arquivo Nacional 734 arquivos sobre o termo datados
de 1952 a 2014 com áudios, vídeos, textos com relatos de objetos não
identificados no céu narrados por pilotos e moradores, além reportagens e
outros materiais complementares. Do total, apenas sete documentos se referem
especificamente ao incidente em Varginha, mas nenhum deles traz dados ou pistas
conclusivas sobre o que realmente ocorreu.
Nesse
mesmo ano, a Revista ISTOÉ publicou reportagem especial com
o que seria a versão oficial do Exército tomando como base o Inquérito Policial
Militar (IPM) 18/1997, mantido em sigilo até então pelas Forças Armadas. O
inquérito foi instituído pelo Exército para verificar crime nas declarações dos
autores do livro "Incidente em Varginha (1996)" Vitório Pacaccini e
Max Portes, inocentados posteriormente. Os dois apontavam a participação do
Exército no dia 20 de janeiro na captura dos seres, a partir de relatos de
moradores e de alguns militares.
Inquérito não
tinha objetivo de desvendar o caso, mas trouxe conclusões oficiais do Exército. Reprodução
O
IPM não é um documento público e não se encontra disponível nos arquivos
digitais das Forças Armanda ou do Supremo Tribunal Militar. Porém, a
divulgação do relatório pela ISTOÉ e pela Revista UFO tornou públicas algumas
conclusões do documento. Para os inquisidores do IPM, as jovens viram, na
verdade, um deficiente físico e mental, morador da cidade, conhecido como
“Mudinho”.
Essa
versão é refutada por ufólogos e pelas próprias testemunhas uma vez que
“Mudinho” seria um indivíduo conhecido pelos moradores do bairro e das meninas.
“Para começar, elas conheciam esse morador e jamais iriam descrever o referido
personagem de forma que fizeram em relação à criatura”, afirma o ufólogo e
escritor Marcos Petit, que lançou em 2015 o livro “Varginha: toda a verdade
revelada”, que traz depoimentos militares e civis que, de acordo o autor,
desmontam a versão do Exército.
O
IPM também concluiu que as meninas tinham visto o deficiente físico em ambiente
escuro. Contudo, segundo as testemunhas, o encontro teria ocorrido em dia
claro. “Os fatos mais absurdos estão justamente ligados a adulteração das
condições em que teria ocorrido o alistamento do estranho ser por Liliane,
Valquíria e Kátia Xavier”, diz Petit.
Questionado
sobre o ocorrido, o Exército reafirma que o caso está concluído com as
investigações realizadas em 1997 que negaram a existência de Óvnis,
movimentação anormal e a presença de criaturas em Varginha (MG). O acesso a
documentos históricos sobre seres extraterrestres em arquivos do Exército é
praticamente impossível por que os arquivos foram destruídos. De acordo com o
Ministério da Defesa, o Exército “não possui em seus arquivos relatórios sobre
casos de Óvnis ocorridos no passado, pois o Decreto nº 79.099/77 permitia a
destruição de documentos sigilosos, bem como dos eventuais termos de
destruição, pela autoridade que os elaborou ou por quem detivesse a custódia.”
Da mesma forma, por meio da assessoria de Comunicação do Exército, a
instituição afirma que não há nenhum documento que trate sobre ufologia e nem
mesmo o IPM nos arquivos do Exército.
Em entrevista ao Portal EBC ,
o ufólogo e escritor Marcos Petit descarta qualquer possibilidade de que o
incidente possa ter sido algum erro de interpretação. Para Petit, o óvni não
seria nenhum tipo de drone ou avião militar, assim como a criatura vista não
poderia ser um animal desconhecido, deformado ou que sofreu algum processo de
mutação. “Para levar em consideração essa possibilidade, eu teria que ignorar
uma série de informações e detalhes do caso, que foram checados, comparados
entre si, oriundos de testemunhas que não se conheciam, tanto da área civil,
como militar”.
A história em
detalhes
Como
o Exército, principal instituição governamental envolvida no caso, nega a
presença de extraterrestres e Óvnis, os moradores, testemunhas e ufólogos são
os personagens que descreverem em detalhes a sua versão do caso. Mesmo com
algumas diferenças, a maioria dos sites especializados em Ufos (termo em inglês
para Óvnis) possui em comum algumas datas e acontecimentos descritos abaixo:
- No dia 13 de janeiro de 1996, uma semana antes do encontro das irmãs Liliane e Valquíria Silva e a amiga Kátia Xavier com a suposta criatura, o piloto de ultraleve Carlos Souza teria avistado um artefato sobrevoando as proximidades de Varginha e o acompanhado visualmente. Na ocasião, o piloto alegou ter visto fumaça ou névoa saindo do ovni. Depois, o objeto desapereceu atrás de um morro, na Fazenda Maiolini. Os relatos contam ainda que havia destroços metálicos sendo recolhidos por militares. No local, haveria caminhões, helicópteros e uma ambulância do Exército.
- Na madrugada do dia 20 de janeiro, o dia que marcou a história, um casal avista um artefato soltando névoa e que tem uma parte danificada na frente da fuselagem. O objeto também desaparece após o morro, em direção à cidade.
- Ainda pela manhã, o Corpo de Bombeiros teria iniciado uma busca a um bicho avistado por moradores no bairro Jardim Andere. Um operário de construção alega ter presenciado bombeiros prenderem a criatura em uma caixa de madeira. No local, haveria novamente um caminhão do Exército que teria levado a caixa para a Escola de Sargentos das Armas (EsSA), em Três Corações (MG). Em entrevistas para a imprensa na época, tanto o Corpo de Bombeiros quanto os oficiais da EsSA negaram qualquer tipo de perseguição a uma criatura ou algo parecido.
- No começo daquela tarde, por volta de 13h, há relatos da presença de homens em trajes militares que deram tiros de fuzis e apareceram carregando dois sacos. Por volta das 15h30, Liliane Fátima Silva (16 anos na época), sua irmã Valquíria Aparecida Silva (14) e Kátia Andrade Xavier (22) cortavam caminho por um terreno baldio quando avistaram um estranho ser cuja pele seria extremamente oleosa, de olhos vermelhos e arredondados. A criatura, agachada ao lado do muro de uma oficina mecânica, teria movido a cabeça em direção a elas, que se assustaram e fugiram.
- No final da tarde daquele "dia D", às 17h30, o policial Marco Eli Chereze, 23 anos, teria agarrado a criatura pelo braço, colocando-a no banco traseiro do carro e levando-a para o Hospital Regional. Na madrugada do dia 21, a criatura teria sido transferida para o Hospital Humanitas. Sem vida, o ser é colocado em um caminhão de transporte de tropas com destino à Escola de Sargento de Armas. Contudo, depoimentos dos responsáveis pelos hospitais na época também negaram qualquer movimentação estranha no local.
- No dia 23 de janeiro, um comboio do Exército teria levado duas cargas para a cidade de Campinas (SP) para serem pesquisados por cientistas na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Os extraterrestres estariam no Pavilhão 18 da Unicamp, informação que é negada pela reitoria da instituição.
- Por fim, em 7 de fevereiro de 1996, Marco Eli Chereze, o policial que teria capturado um dos ETs no Jardim Andere, faz uma cirurgia para retirar uma pústula da axila direita e é internado com fortes dores e início de paralisação. Ele morreu oito dias depois vítima de uma infecção generalizada. Para os ufólogos, a causa seria o contato com bactérias do ser capturado por ele sem proteção.
Fonte de noticias: www.ebc.com.br